quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

O Acreditar e a Fé como Vantagens Evolutivas - 02

Escrito em: 26/05/2014. 
Revisado em: 03/10/2018. 

Palavras-chave: Fé, Acreditar, Relativismo religioso, Teoria da Evolução, Neurociência, Cérebro, Mente.

Um bebê vem ao mundo com nada ou quase nada de informações extragenéticas, ou seja, em nível consciente. Conforme o tempo passa seu cérebro irá crescer, absorvendo estímulos do seu meio ambiente social, com seus neurônios se ligando de maneira a aprender, se comunicar, formar modelos da realidade – a água é fluida, escorre entre as mãos - etc. É uma atitude inconsciente quando, por exemplo, ele tira sua mão de um copo de leite muito quente. Já trouxe consigo, como uma reação natural do tato, engendrada em seu cérebro pelos seus genes, mas agora, com outro sentido, a visão, e, em conjunto com a inteligência e sua memória, o farão a ser cauteloso em situação parecida, chegando com sua mão próxima a outro copo, com aquele líquido branco, verificando se pode pegá-lo ou não. Observará sua mãe esquentando aquele líquido no fogo em outro recipiente para colocá-lo em copos. A informação extragenética é algo muito poderoso em sua vida. É o aprendizado. 

Mas não só o intelecto atua na criança em seu despertar para as informações e experiências vitais ao seu desenvolvimento e adaptabilidade. As emoções estão presentes também. Ela voltará a comer uma fruta, do tipo daquela a qual o gosto lhe proporcionara uma sensação maravilhosa de bem-estar, de prazer, mesmo sem fome. Vontade, ânsia, desejo, emoções básicas do ser humano quando da interação com o seu meio ambiente. 
Como disse em meu artigo “O porquê dos nossos sentimentos – 02” (1): “somos seres racionais e emocionais, não podendo separar uma característica da outra quando em muitos envolvimentos interativos. E acontecem nas mais diferentes formas e intensidades.” 

A alimentação é algo imprescindível na vida de um ser humano, na sobrevivência de sua espécie, mas também podemos falar em algo também importante, ligado ao seu bem-estar e à sobrevivência: o equilíbrio emocional. Irei falar sobre ele nos dois próximos parágrafos. 

Equilíbrio é fundamental em nossas vidas pessoais e profissionais. Sem ele não poderíamos viver a vida na plenitude pretendida por nós. Não dormiríamos quantitativamente e qualitativamente a repormos nossas energias, estaríamos em constante choque com os nossos semelhantes ou passivos demais para lutarmos em busca de nossas necessidades materiais, viveríamos com medo de tudo ao nosso redor, prejudicando seriamente nosso presente e futuro, etc. 

Nosso equilíbrio é afetado por desordens internas e/ou externas a nós. Nascemos com metade dos genes de cada um de nossos pais. Os genes constroem nossos cérebros a partir da concepção e um ou mais erros nessa construção poderão levar-nos a problemas mentais no futuro. Mas não é só isso. Conforme o cérebro se desenvolve da idade infantil até a fase adulta, os estímulos negativos e positivos do meio, simplificando ao máximo possível esse fato, poderão afetar as ligações sinápticas dessa arquitetura neural, levando-o a um mau funcionamento de várias de suas áreas. Isso acarreta em comportamentos inadequados ao mundo em nosso redor. 

Uma criança tem em seu início de vida muita informação passada pelos pais, irmãos, parentes, amigos, escola, etc. Seu cérebro vai se desenvolvendo com todas essas informações e também com conceitos a respeito de tudo, de religião também. Essa época em sua vida é uma das mais importantes na formação de seu caráter e personalidade. 

Imagine por exemplo uma criança em um meio ambiente formado por pessoas adeptas do cristianismo. Logo cedo alguém diz para ela: “olhe, existe ‘alguém’ poderoso, Deus, criador do céu, da noite, das estrelas, do Sol, etc. Plantas, animais, os rios”. É evidente a aceitação, a admissão por parte da criança de informações desse tipo, pois vêm de pessoas importantes para ela e porque, naturalmente, existe uma poderosa capacidade dela em... Acreditar! Uma questão ela pode achar absurda, deixar para lá, poderá ouvir mais o pai e não a mãe sobre um fato religioso, etc. Dá para imaginar a quantidade de conceitos e informações e como são passados a ela de forma inquestionável e absoluta? 

Na escola, com amigos, nas outras cidades e regiões de seu país, com pessoas adultas mal conhecendo-a, etc., todo o seu meio ambiente sintonizado no cristianismo. Ela cresce sendo ensinada do modo como o seu meio ambiente é, e, de uma maneira ou de outra, acredita nas histórias. Seu cérebro se desenvolve com essas informações e é possível, quando jovem ou adulta, passar a estudar e crer em outras religiões. Mas, na maioria dos casos, agora generalizando, terá uma marca permanente desde a infância. Seus neurônios se ligaram formando redes quase indestrutíveis. 

Simplificadamente, para o propósito no qual me dedico a este artigo, os fatos ocorrem desse jeito, com o futuro adulto passando a acreditar nos ritos, dogmas, crenças, etc., do cristianismo, da igreja a ele associada. 

Acreditar é crer, ter como verdadeiro. Fé é crença, crédito, confiança, convicção da existência de algum fato ou da veracidade de alguma asserção. A pessoa a qual estou me referindo aprenderá, acreditará e terá fé naquilo ensinado pelos outros, sentindo um poder bem forte a reverenciar o seu Deus para qualquer propósito. 

No meu artigo “O Surgimento de uma religião como uma necessidade humana”, (2) cito um grupo de homo sapiens em uma ilha, no qual ideias sobre de onde vieram, quem são eles, por que estão vivos, para onde irão após a morte, lidar com o bem e o mal, etc., são fatos curiosos e ao mesmo tempo perturbadores. Questionamentos como esses sempre existiram na imaginação das pessoas em todas as épocas e lugares.  

Acredito na possibilidade do equilíbrio emocional ser alterado se as pessoas não tiverem a capacidade em crer e colocar essa vantagem em prática. Naturalmente isso é feito devido a nossa condição quando nascemos, possuindo consciência a despertar por volta dos quatro anos de idade, fé e amor próprio, sendo isso um tema já abordado por mim em “O porquê dos nossos sentimentos” (3) e em “Consciência, amor-próprio, fé e transcendência”. (4) Em minhas palavras no primeiro: “A consciência, indo mais longe, precisa necessariamente de, no mínimo, dois suportes emocionais para perpetuar, duas forças poderosíssimas: a fé e o amor próprio. Qual espécie de seres conscientes conseguiria sua perpetuação se não acreditassem em si mesmos, no seu trabalho, na sua luta diária? Ou, como na maioria dos habitantes do planeta, em algo divino para se apoiarem? E também qual sistema poderia sobreviver se não gostasse de si próprio? Adiantaria um corpo forte em uma mente fraca? Talvez cheguemos a um fato universal: qualquer ser consciente no cosmo terá esse tipo de característica. Talvez não exista nada somente racional.” 

O acreditar pode ocorrer sem a fé. Você acredita em algo, mas não possui fé naquilo, não coloca suas forças e energias se valendo desse sentimento poderoso. Um cristão pode acreditar em Deus mas não ter fé suficiente para seguir sua religião como outros o fazem. Mas ele acredita e acreditar é “tomar como verdadeiro”. Mas como ele possui essa verdade? As definições de tudo de sua religião? Foram passadas, como disse acima, muitas informações, conceitos etc., pelo seu meio ambiente: seus pais, escola, ambientes sociais, etc. E fatos desses tipos acontecem em todo o mundo, em todas as épocas, é válido para tudo criado pelo homem até hoje como deuses, Deus, dogmas, seitas, rituais, religiões, etc. É o relativismo religioso. E meio ambiente não é só a natureza. Para o homem o conceito é amplo, maior que para outros organismos vivos em seus habitats, mesmo possuindo relações sociais sofisticadas em relação a outros, como os primatas. 

Um ateu, embora tenha uma percepção, conseguindo imaginar algo além do mundo material, propriedade essa comum aos humanos, não acredita em deuses ou Deus, influenciando nosso mundo. Não sente nada, “não precisa” e mesmo se sentir alguma coisa poderá rejeitar usando sua lógica, por exemplo. Dirá o seguinte: “é uma invenção da minha mente”. Ele é minoria nas populações porque essas sim necessitam da fé e do acreditar. Agora, ele acredita em si próprio, possui fé em si mesmo, porque se não, ele nem levantaria da cama para viver. Viver em seu conceito básico conhecidos por todos nós: trabalhar, cuidar da família, o lazer, estudar, etc. Acordamos de manhã, levantamos a cabeça e começa um novo dia. Sempre foi assim para nós humanos e sempre será. 
Outra pessoa possui fé inabalável em suas crenças. Seja qual for a sua religião, os ensinamentos passados a ela, os dogmas e rituais são absolutos a ponto de melhorar seu estado emocional quando necessário. 

Isto dá um artigo inteiro, mas, por exemplo, pense na perda de um ente familiar para alguém bem religiosa, no caso, cristã. Poderia ser de outra religião. Ela acredita, possui fé suficiente para pensar, sentir, um “fato” admitido por todos os cristãos: seu familiar estará em um lugar próximo a Deus, na forma de alma ou espírito. Difícil, simplificando o assunto, seria achar alguém tão forte quanto ela. No mínimo suportará a dor como outra cristã praticante. 

Em “E o Homem Criou Deus” (5) eu digo: “É confortante para o homem acreditar em algo superior, transcendental, que o ajude e o ampare. Ter consciência do mundo, da existência de uma separação entre nós e o que nos cerca, pode levar-nos a uma solidão juntamente com uma insuportável crise existencial. O homem não aguentaria viver neste mundo sem algo de superior a acreditar. Mais uma vez, outro 'amortecedor' natural oriundo da fé”. 

Então temos: sentimentos a respeito de onde viemos, quem somos nós, porque estamos aqui e para onde vamos após a morte; uma questão muito importante: como lidar com o bem e o mal?  Por que existem? A impossibilidade de entender o infinito e, aqui, colocando esta questão, também digo: o ser humano sempre buscou algo para justificar, entender a criação. Para o homo sapiens deveria e deve existir algo a criar tudo e como esse tudo não era pequeno, esse “algo” necessariamente seria superior. Ou “algos”, referindo-me a deuses porque a maioria das sociedades humanas até hoje foram politeístas. 

A capacidade humana em acreditar e possuir fé, sociedades a criarem religiões, seitas, crenças, etc., como formas de entender questões cruciais de suas existências, de suas condições por vezes limitadas, etc., se não existissem, comprometeriam o equilíbrio emocional das pessoas. Sem estrutura emocional, sem equilíbrio, você teria uma vida confortável em muitos aspectos? Não. Ele não é necessariamente tudo, mas é muito importante. 

Um sistema complexo, consciente de si, capaz de imaginar por lógica a existência de um mundo além do nosso, teria, na minha opinião, vantagens evolutivas como o acreditar e a fé, a preencher esse outro mundo com seres sobrenaturais capazes de realizações a nosso favor.  

A evolução não se processa só no corpo dos seres vivos; se processa também no comportamento via estruturas neurais, em nossos cérebros, em nossas mentes.  


Referências: 

1 – Argos Arruda Pinto. O porquê dos nossos sentimentos. 2002. Disponível em: < http://www.cerebromente.org.br/n15/opiniao/sentimentos2.html >. Acesso em: 03/10/2018. 

Também no meu blog: “Neurociência, Teoria da Evolução, Sentimentos e Emoções”. Disponível em: < http://sistemaevolucaoneurociencia.blogspot.com.br/ >. Acesso em: 03/10/2018.  

2 – Argos Arruda Pinto. O surgimento de uma religião como uma necessidade humana”. 2008. Disponível em: <  http://orelativismodasreligioes.blogspot.com/2008/01/o-surgimento-de-uma-religio-como-uma_11.html >. Acesso em: 03/10/2018. 

3 – Argos Arruda Pinto. O porquê dos nossos sentimentos. 2001. Disponível em: < http://www.cerebromente.org.br/n14/opinion/material3.html >. Acesso em: 03/10/2018. 

4 – Argos Arruda Pinto. Consciência, amor-próprio, fé e transcendência - A moderna Teoria da Evolução. 2012. Disponível em: < http://coamoprofetrans.blogspot.com/ >. Acesso em: 03/10/2018. 

5 – Argos Arruda Pinto. E o homem criou Deus. 2007. Disponível em: < www.orelativismodasreligioes.blogspot.com >. Acesso em: 03/10/2018.